As empreiteiras aqui no Japão têm o péssimo costume de mentir ou omitir ao funcionário o que realmente elas oferecem. Dando uma olhada nos jornais e revistas onde tem ofertas de emprego, invariavelmente se lêem que oferecem aos funcionários, apartamento, prêmio por assiduidade e outros benefícios que na verdade seria direito do empregado , como férias.
Com a quebra do contrato, lógico que os benefícios seriam cortados, entre eles o apartamento que em geral se cobra um aluguel muito mais alto do que realmente seria.
Tentados com tais benefícios os empregados não vêem onde estão se enfiando. Assinam contratos nada idôneos onde na verdade não teriam validade judicial nenhuma.
Num domingo de fevereiro, fomos eu, Sandra e Bárbara pegar livros na biblioteca, que fica no centro de Toyota.Aproveitamos pra dar um pulo no Matsuzakaya,onde tem uma loja cheia de badulaques e coisas importadas.Na saída fomos abordados por um senhor aparentando uns cinqüenta e poucos anos,baixinho ,cabelos grisalhos e com um aspecto bem cansado.Veio acanhado e perguntando quase num murmúrio se eu era brasileiro.Me virei e medi de ponta a ponta,tolo aquele que pensa que o Japão é seguro, e respondi que sim.Ele logo se desculpou e disse que foi despejado do alojamento em que morava e não tinha onde morar nem dinheiro e que a empreiteira tinha feito o “favor” de despachar as malas dele pra um conhecido dele que morava em Tochigi, província depois de Tokyo,ou seja, duas horas e uns quebrados de trem bala ou mais de 6 horas de trem normal,ou mais, partindo daqui de Toyota.
Ele mostrou o endereço onde o amigo morava com explicações anotadas e um pequeno itinerário e mais uma vez pediu desculpas e com a voz embargada, pediu uma ajuda qualquer.Ele já tinha conseguido 3000 ienes de outras pessoas mas faltava ainda 5000.
Olhei pra Sandra que assentiu com a cabeça.Peguei a carteira e lhe estendi uma nota de 1000 ienes, ele agradeceu e com um olhar perdido lançou o olhar pra longe,talvez procurando outro brasileiro.
No dia anterior, tivemos o único dia de neve sendo ele o mais frio da temporada.Fiquei imaginando um senhor de 60 anos, sem ter onde dormir, despejado ainda com o uniforme da fábrica,num frio desses.Depois que para de nevar, o frio parece que dobra,é terrível...
Andamos mais um pouco,calados e com uma revolta enorme no coração...quem seria tão frio e impiedoso ao ponto de jogar na rua uma outra pessoa, independente da idade, num frio desses,nessas condições?Olhei mais uma vez pra Sandra e disse que queria ajudar aquele senhor,nossas condições monetárias não estavam lá grande coisa mas sei que eu não conseguiria dormir em paz vendo aquele senhor passando essa humilhação, se degradando mais um pouco como ser humano.Fui ao caixa eletrônico e tirei o tanto que faltava pra inteirar a passagem e um pouco mais pra ele comprar algo pra comer.Fui atrás dele que na hora que me viu se assustou, acho que com medo de que eu pedisse o dinheiro de volta.Cheguei pra ele, com um sorriso que eu acho que era visível a vários metros...rsrs...falei:
-Vamos viajar??
Ele não entendeu vírgula e estendi o dinheiro.Os olhos dele marejaram, notei que segurou o choro...e eu também.Apertamos as mãos e fomos em direção a estação.Lá já estavam a Babi e a Sandra.Ele agradeceu mais uma vez e foi comprar o bilhete.
Na verdade não vimos se ele comprou...nem quis ficar lá pra ver se ele iria mesmo ou era grupo.Não quis pensar o pior,tinha feito o que achava correto.Fomos calados, só no carro que começamos a comentar o que aconteceu e praguejar mais uma vez contra as empreiteiras e as pessoas sem coração, sem o mínimo de respeito ao próximo que vem pra cá,afoitos pra ganhar dinheiro fácil as custas dos outros.
Não sei o nome daquele velhinho, nem de onde ele era apenas sei que ele ia pra Tochigi mas espero que ele esteja bem agora, e peço aos céus que nem ele, nem eu,encontremos pessoas como aquelas que o despejou!E acredito que uma força maior, um Deus, o Grande Pai, é justo e durmo tranqüilo!